Qual Estado queremos ter? Uma defesa do Estado para Resultados

Qual Estado queremos ter? Uma defesa do Estado para Resultados

By Jose Cruz/ABr (Agência Brasil) [CC BY 3.0 br (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/deed.en)], via Wikimedia Commons

Refletir sobre gestão envolve o público e o privado. O Estado sempre está presente em nossas vidas. A política envolve o cerne do Estado e não podemos negá-la ou crer que política e corrupção são sinônimos. Em meio ao desalento das notícias da semana, tendemos a fazer essa correlação: todo político é corrupto. E uma associação dessa correlação derivada: todo político é ruim, pois corrupção é ruim.

A generalização e busca do apolítico, ou negação do político não nos levará a nenhuma sociedade melhor. A reflexão que proponho envolve a discussão mais rica dos anos inicias do curso de gestão pública e economia: qual o papel do Estado?

As respostas para tal questão estão longe de serem simples, envolvem diversas escolhas que oscilam do Estado mínimo ao Estado máximo. Do planejamento central à economia de mercado. Da função de políticas distributivas e a forma de executar políticas sociais, do entendimento do que seria o Estado gerencial.

Tendo a defender que vivemos um excesso de Estado. O excesso se reflete na base das atuais crises e escândalos. Grupos empresariais muito fortes, derivados e dependentes do Estado. Um excesso que alimenta um ciclo perverso de apropriação indevida, que se faz retroalimentar para manter poder político e econômico. A solução para desfazer tais vícios envolve, além de controles (que já são excessivos na ótica do gestor e se mostraram não efetivos na ótica da sociedade), novos modelos de atuação: menos poder concentrado, mais parcerias, mais governança distribuída. Um Estado mais leve, mas não menos presente.

Temos um país que precisa muito do Estado. Temos lacunas grandes sociais e de infraestrutura. Tais problemas exigem a presença do Estado, seja direta ou indiretamente. Precisamos gerar crescimento e desenvolvimento. A força do Estado é essencial, seja por políticas fiscais e monetárias, seja por políticas de desenvolvimento e inovação. A forma como ele atua pode mudar e gerar diferentes incentivos.

Precisamos de Estado. A pergunta é qual Estado? Qual forma ele irá atuar?

A premissa de democracia é de difícil substituição. Torna mudanças mais lentas, mas é o preço a ser pago para evitar excessos que infligem a liberdade dos indivíduos.

A democracia e a política andam lado a lado. Precisamos da divisão de poderes executivo, legislativo e judiciário. Esse balanceamento é importante.

Quando optei por sair da carreira de gestor público em 2012, grande parte da decisão se deu por acreditar que estávamos diante de um cenário cruel para a gestão pública. Um excesso de controle sem efetividade. Uma sociedade com baixa paciência, demandadora e imediatista. Uma bomba relógio diante da nova realidade dos meios de comunicação: toda pessoa é um megafone social. A rede circula informações muito mais rápido. A qualidade dessas informações é comprometida e tende a fazer juízos rápidos e cruéis.

O Ministério Público fala em inquérito para apurar desvios de um contrato X. Isso já vira manchete, e das manchetes já ganha a profusão de Facebook, WhatsApp e demais canais para fazer piadas e aumentar o fato. Cria-se a pós verdade, e o que era “inquérito”, ou seja, uma dúvida, passa a ser uma afirmação.

Imagina ser gestor público? Imagina ocupar um cargo em comissão no executivo? Cabe lembrar que o poder executivo tem salários muito menores do que legislativo e judiciário[i], e é ele quem está à frente dessa bomba midiática, seja a pressão por fazer, seja por responder aos questionamentos de controle. Para piorar, imagina esse cenário onde você nem recebe seu salário em dia? Infelizmente diante das manifestações sociais nas ruas em 2013 e eventos subsequentes até o presente momento, minha leitura estava certa. Estar no setor público não me parece um bom local para ter propósito nos tempos atuais.

Contudo, precisamos do Estado! Os problemas da crise só fazem piorar situações sociais e há necessidade de revitalizar esse espaço.

A política precisa de reforma, mas não será nada simples. O sistema é contaminado – ao que tudo indica – há décadas, e talvez séculos. Os financiamentos de campanha e a ausência de clareza do que é lobby são cruéis na interpretação do que é devido e o que é corrupção.

Vivemos tempos de trevas. Existem bruxos (as) que maculam a sociedade em meio às pessoas de bem. Existem inquisidores que buscam identificar tais agentes do mal e retirá-los do sistema. Temos de tomar muito cuidado para não olharmos para trás, faltando-nos o orgulho por termos promovido uma inquisição, queimando inocentes sem a devida apuração. A premissa da democracia exige paciência. Abrir mão disso e querer “sangue” pode nos levar à sistemas ditatoriais. E qualquer ditadura é uma privação. Os processos são necessários.

Acredito que devemos reduzir o sinal, propagar menos aquilo que não agrega valor. Focar para buscar atenção ao que mais importa. O tempo é a variável soberana: sempre passa.

Voltamos à pergunta do papel do Estado? A resposta dessa pergunta deveria ser menos partidária, pois não se trata de um Estado do PT ou do PSDB. A resposta dessa pergunta envolve propósito. O que move o Estado? O que faz com que os gestores públicos se engajem mais? O que faz com que retomemos a esperança e a confiança enquanto empreendedores privados?

A resposta que proponho envolve aquilo que me moveu, meu ponto alto de motivação enquanto gestor público: Estado para Resultados. Uma ideia simples que orientou uma gestão da qual participei em Minas Gerais entre 2007 e 2010.

A ideia é retratada no livro que – à época – ajudei a organizar. A obra buscou ser crítica de si mesma, incluindo um capítulo de uma avaliadora independente. Crítica construtiva, respeitando o ambiente político. Foi um momento de gestores comprometidos e engajados.

Diante dos recentes escândalos envolvendo Aécio Neves, governador à época, não reduz o que vivemos. Aquele sistema político estava contaminado? Muito provavelmente coexistiu com problemas que, como disse, são frutos de anos de estruturas mal reguladas de financiamento de campanha e sistemas judiciários ineficientes ou pouco efetivos.

Ver a situação de Aécio, contudo, é triste por trazer sombra a uma resposta de Estado que faz sentido. Foi um líder (assim como Lula também foi – não se trata de time de futebol). Falhou por se envolver em escândalos (assim como Lula, que culpado ou não, teve toda sua estrutura de equipe envolvida). Aécio é culpado ou não? O processo dirá. De qualquer modo, seu papel de potencial líder de transformação da nação já foi em muito ofuscado.

A ideia do Estado que faz sentido, porém, é maior que um líder. Advêm de uma demanda da sociedade. Um Estado comprometido com entrega de resultados. Com a melhoria da vida das pessoas. Um Estado que mensura e se orienta por medidas observáveis que retratem uma vida melhor para sua população. Quem não mensura não aprende, não ajusta.

Tal bandeira de um Estado para Resultados não pode ser partidarizada. Precisa de lideranças comprometidas. Precisa de uma população que usa o seu poder de disseminar e cobrar com o foco no que de fato importa: criar valor, gerar resultados.

Infelizmente, o que vemos atualmente é o tempo passando e diversos Estados sem atuar nas métricas, sem se comprometer com escolhas e prioridades: taxa de homicídios, taxa de mortalidade, proficiência dos alunos, desigualdade social entre tantas outras possíveis.

Ter um compromisso de gestão com metas e prestação de contas “sociais” com esses resultados é uma resposta para o papel do Estado que acredito ser patamar mínimo. Daí cada escolha democrática deriva para o que será a prioridade de cada gestão. Cada novo eleito define e presta contas de modo transparente e proativo.  O que vale é entregar os resultados, obviamente dentro de ações e condutas legais, mas diante do foco da entrega, a forma pode variar, seja por solução em Estado mais executor ou mais regulador.

O judiciário precisa continuar e zelar pelos ritos, mas com celeridade: a noção de justiça é diretamente relacionada à tempestividade. A nós, cidadãos, cabe alimentar menos a fogueira do rancor (e entender que partido não é time de futebol), e sair do jogo de perde-perde. A cobrança e as escolhas democráticas precisam focar no que importa: o Estado para Resultados.

 

[i] Não estou defendendo que o salário do executivo é baixo, mas sim que o dos demais poderes o é para nossa realidade de país.

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