Arrepender é bom, por mais que queiramos pensar o contrário

Na lista dos melhores autores sobre liderança e gestão não podemos deixar de ler Daniel Pink. Seu último livro “The Power of Regret” é muito inspirador e provê ótimas reflexões. Temos uma tendência natural de querer seguir a vida em linha reta na qual abraçamos o “não arrepender” como foco para seguir adiante. Sem dúvida a coragem para seguir adiante é super importante, contudo, o não arrepender envolve nossa incapacidade de processar e aprender. Eis o poder do arrependimento, o aprendizado para a ação.

“The key is to use regret to catalyze a chain reaction: the heart signals the head, the head initiates action.” Feelling is for thinking. Thinking is for doing. Regret is for making us better. (Livro The Power of Regret, p. 54-55)

Sentir é para pensar. Pensar é para fazer. Arrependimento é para nos tornar melhores.  Eis a poderosa cadeia de valor que envolve abraçar o arrependimento. A leitura do livro tem muito valor para nos ajudar a navegar nisso e sermos indivíduos e líderes melhores.

Arrepender é bom, é uma forma de revisitarmos nossas crenças e mudarmos de opinião

Vivemos um desafio gigante de dogmas e crenças arreigadas. Quantas vezes você já se pegou em debates calorosos no qual foi se criando um fosso de distanciamento entre pontos de vista? Talvez os tempos atuais, na falta de tempo e excesso de KPIs criam ambientes no qual existe menos espaço para diálogo em nossas organizações. Talvez a frieza das relações mais virtuais e uma grande pressão por resultados e metas de curto prazo desincentivam ambientes de reflexão. Talvez sejamos nós que evitamos a posição de estar em dúvida e parecer fraco. Talvez o ambiente hostil de embates políticos cada vez mais polarizados e dogmáticos tragam para nossas rotinas os preconceitos e rótulos que impedem diálogos construtivos.

Seja qual for o motivo, o sintoma de ausência de debates sadios em torno de suas ações revela um risco. Pensar diferente e mudar de opinião não é sinal de fraqueza, ao contrário, é sabedoria. Contudo, essa atitude requer ambiente, requer compromisso da liderança com essa possibilidade. Quando estiver em um debate vale sempre refletir: ‘o que me faria mudar de opinião’? A depender da resposta poderá se ver refém de dogmas ou a certeza que está diante de um princípio.

A reflexão em torno do arrependimento é um caminho para revisitar seus processos de decisão, seus ambientes e suas atitudes. Vale para crianças e, certamente, uma competência para líderes:

“Irish researchers, across several experiments, have shown that children’s decision-making capabilities improve tremendously once they cross the developmental threshold, around age seven, that allows them to Experience regret. ‘The development of regret allows children to learn from previous decisions in order to adaptively switch their choices’.” (Livro The Power of Regret, p. 44)

“We need the ability to regret our poor decisions – to feel bad about them – precisely so we can improve those decisions in the future.” (Livro The Power of Regret, p. 45)

Não confunda desapontamento com arrependimento e crie estabilidade para processar o arrependimento

“Disappointments exist outside of your control. Regrets, in contrast, are your fault”. (Livro The Power of Regret, p. 94)

O arrependimento advém de nossas ações ou inações. Somos protagonistas e não vítimas. Devemos ter todo cuidado com nossos pensamentos que colocam no outro a culpa e evitam com isso processarmos decisões futuras melhores de como conduzir ou atuar para termos resultados melhores. A distinção devida envolve a ação do outro, que sim, pode frustrar nossas expectativas, e não nos cabe nada a fazer: afinal não mudamos o outro. No máximo influenciamos ele a querer mudar.

Existe uma boa provocação do autor em uma categoria de arrependimento que envolve o “deixar de fazer”. Quantas vezes olhamos para trás e queríamos ter coragem de ter perseguido caminhos diferentes do que trilhamos. Aqui cabe uma reflexão valorosa do que podemos fazer para evitar isso no futuro: criar estabilidade para essas tomadas de decisão.

Uma decisão difícil envolve risco. Sem estabilidade é muito mais difícil tomarmos esse tipo de decisão. O aspecto financeiro é o mais fácil de visualizar aqui. Sem reservas financeiras, decisões ousadas de mudança são mais difíceis de serem tomadas. É natural. Podemos arrepender anos depois de termos evitado a mudança. Como mitigar isso: crie reservas. Estabilidade, no sentido de ter reservas financeiras por exemplo, é ingrediente importante para tomada de decisões corajosas.

Curiosamente o arrepender do não feito ou não vivido nos impulsiona a uma mentalidade de querer “viver sem arrependimentos”. Eis uma vida certamente mais pobre. Sem lidar com seus arrependimentos, sem refletir suas ações, perde-se a oportunidade de aprender e evoluir.

Temos obrigações, temos restrições de ação derivado de compromissos e responsabilidades. Isso envolve naturalmente escolhas e renúncias. Sempre que escolhemos precisamos exercitar a reflexão. Arrepender não é lamuriar e viver sofrendo pelo não escolhido. Arrepender envolve revisitar suas escolhas e assumir o que foi adequado e o que poderia ser rebalanceado. Não é se prender no passado, é mirar no futuro.

“A life of obligation and no opportunity is crimped. A life of opportunity and no obligation is hollow. A life that fuses opportunity and obligation is true.” (Livro The Power of Regret, p. 156)

 Abrace o aprender com o arrepender para ser melhor

Recomendo fortemente a leitura do livro The Power of Regret. O autor ainda conta com uma página e pequenos vídeos bem legais para boas reflexões: PinkCast. O podcast dele com Brené Brown sobre o livro também é sensacional. Enfim, conteúdo de qualidade para nossa evolução.

Para ser melhor existem 3 passos sugeridos pelo autor para tratarmos o arrependimento:

  1. Fale do tema. Aqui entendo que escrever é uma forma de falar para você mesmo. Terapia pode certamente ajudar. Falar com outras pessoas é um caminho para processar.
  2. Normalize e neutralize. Pense em como você trataria da questão se um amigo estivesse falando com você? Muitas vezes seriamos muito mais gentis com o outro do que somos conosco. Eis nosso viés de ser muito autocríticos e com isso evitarmos a dor desse tipo de reflexão sobre arrependimento. O quanto seu erro é algo de fato único ou acontece mais usualmente com outras pessoas? É algo que define sua vida ou apenas um momento desagradável? Seja gentil na sua reflexão e tenha perspectiva (existe um mundão de pessoas como nós).
  3. Tire as lições desse arrependimento (ou das possibilidades derivadas da escolha que está por fazer). Olhe para 10 anos a frente, como se sentiria com essa decisão. Em se tratando de uma decisão profissional, se fosse substituído, o que seu sucessor faria? Antecipar cenários e recomendações diante das escolhas e suas consequências é sempre um exercício valoroso.

A vida é composta por decisões nossa, onde temos a rédea, e sorte. Aceitar isso é o que nos torna humanos. O final do livro induz uma matriz bem potente, que traduzo na figura abaixo.

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“We live at the intersection of free will and circumstance” Livro The Power of Regret

“Regret offers us the ultimate redeption narrative” Livro The Power of Regret

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