Por que o Parque do Beto Carrero me impressionou tanto?

Castelo no Beto Carrero World

By Vanilla64 (Own work) [CC BY-SA 4.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0)], via Wikimedia Commons

Não sou fã de parques de diversão. Nunca fui à Disney. Fui ao Wonderland, no Canadá, uma única vez como parte do intercâmbio aos 15. Jamais pensei em ir ao Beto Carrero World. Para ir a algum parque, seria à Disney, né? O Beto Carrero World acabou sendo a escolha racional de agradar família e conciliar com uma viagem de 3 dias. Foi uma boa surpresa!

Uma história de empreendedorismo nacional que é pouco contada e reconhecida como case. São 14 milhões de m² entre parque e área preservada. É o maior parque da América Latina e recebe mais de 10 mil pessoas em um dia cheio.

Um empreendimento que gera milhares de empregos, um orgulho para quem trabalha e atua (escutei esse orgulho da boca dos guias de modo espontâneo). Isso por si só justifica dar luz ao empreendimento e ao visionário Beto (faleceu em 2008), que deixou um legado. Exemplos que deveriam mover nossa visão de empreender no país e a importância de pensar grande.

Tem motivo para ser visitado. A experiência foi muito legal, mas não foi mágica. E nesse sentido meu olhar de gestor de negócios trabalhou no automático e compartilho reflexões sobre pontos potenciais de melhoria. Longe de ser um trabalho completo, são luzes sobre questões iniciais que valem para lá, mas iluminam a ótica de satisfação do cliente de deveria estar no radar de todos os negócios.

O pano de fundo da reflexão é a leitura do case da Disney, no qual o que mais me marcou é a importância para com os detalhes na construção da experiência do cliente. A soma das pequenas coisas determina a percepção, constrói o legado e o imagético de quem já visitou ou quer visitar. Exige muito esforço e acredito que podemos ter nesse Parque algo ainda maior para o Brasil e para o Mundo. Sonhar grande não é impossível, e o que está lá em Santa Catarina prova isso.

A criação do destino Beto Carrero é um ponto positivo. Como pai de filhos pequenos meu olhar começou a ver essa inserção maior em canais infantis da TV fechada, junto às agências de viagens e companhias aéreas. Vejo essa exposição como ponto positivo, converte mais clientes.

Contudo, converter clientes é apenas o desafio inicial. Como fazer a experiência ser mágica? Como criar promotores do destino? Como fazer o cliente voltar? Essas são as perguntas de maior valor para todo negócio: mais do que adquirir, o importante é atender bem, garantir a satisfação, o retorno do cliente. Buscar que o cliente seja um promotor da marca.

Deixo 5 pontos de reflexão sobre o que não gostei:

  1. Comi mal

Meu principal item de reclamação é a qualidade da comida. E repare que não mencionei o preço. Mesmo querendo pagar caro não existiam opções de qualidade, então paguei caro e comi mal. Ausência de marcas e franquias talvez, mas essa ausência envolve equação financeira de trazer franquias que podem render menos pela sazonalidade natural. Contudo, o nível de qualidade pode ser obtido por meio da busca de parceiros mesmo que locais, mas comprometidos com excelência.

Fortalecer marcas e vasilhames customizados pode representar um diferencial na visita.

Imagine que você está dentro do parque, já no clima de euforia. Você tem filhos e tem fome. Equacionar a solução é muito mais a qualidade do produto, do serviço e da experiência do que o preço.

Um picolé da Kibon seria bem-vindo. Tomar chopp em copo plástico do tipo “não descartável” seria desejado (se ele fosse temático ainda virava souvenir e se fosse do Shrek me obrigaria com grande prazer a tomar dois chopps – um copo do Shrek para cada filho). Comer um hambúrguer bem feito (dos artesanais que estão na moda), seria divino.

Contudo, ninguém quis picolé da marca desconhecida. Tomei um chopp único naquele copo descartável dos tempos de Carnaval de rua. E eu não consegui terminar meu hambúrguer.

 

  1. Comprei pouco

Parece estranho, mas tenho de confessar que comprei pouco. A variedade dos produtos era pequena. Acredito que uma grande sacada do Beto Carrero foi fazer a parceria com a Dreamworks e conseguir a licença de imagem de personagens como Shrek, Madagascar, Kung Fu Panda e MegaMente. Personagem é parte fundamental da experiência dos meninos e, certamente, ajuda muito na conversão de visitas, porém a variedade de produtos é limitada. Para alguns, como Shrek, nem a opção de souvenir tem (se tem e eu não vi, e se for o caso, é um erro primário de disposição de produtos). Para os de Madagascar, a variedade era muito restrita. Era uma ou no máximo duas opções. E ambos com tickets altos. Ou seja, algo de lembrancinha para os sobrinhos que não foram, nem pensar.

A sociedade de consumo não é algo que defendo. Acho que consumo é de fato exagerado (meus filhos têm muito, muito, muito mais brinquedos do que eu tive), e entender e ter consciência disso é algo importante para nortear os pais. Contudo, é fato que vivemos em uma sociedade consumista, e isso pode (e deve) rentabilizar negócios. O mais difícil é levar o cliente para o parque, pois quando ele já está lá, a euforia entra em ação. Assim, o consumo é parte do jogo. Então, explorar mal é frustrar o cliente, pois se não tem opções, tem restrições. Só poder escolher um tipo de brinquedo/lembrança não é a melhor escolha.

 

  1. Peguei muita fila nos brinquedos

A fila é algo já esperado em parques. É algo inclusive já monetizado com os ingressos de “fura fila”. Porém, existe um item mal explorado ainda referente ao dimensionamento e comunicação. Em plataformas, isso é a base de melhorar a qualidade do usuário: informação.

O parque recebe um volume gigante de pessoas, mas as preferências são distintas. São personas distintas usando o termo de marketing. Eu e meus filhos (pequenos) somos distintos de um casal em lua de mel (não seria minha escolha, mas tem gente que gosta), bem como é diferente de uma turma de jovens de 15 anos. E por aí em diante.

O que muda é saber segmentar: poderia se dimensionar melhor vendendo ingressos para segmentos com esse foco. Coloca o preço do parque geral e irrestrito mais alto, force a escolha orientada para a persona. Dimensione e trate mais customizado a experiência. Indique circuitos, melhore o desempenho do usuário. A inteligência de informação é uma fronteira a ser explorada e ela pode significar menos filas. O Waze do parque é algo que não me parece muito longe de ser criado: como otimizar a visita e evitar filas para além. Entender onde tem excesso de demanda e onde tem ociosidade: uma equação ganha-ganha.

 

  1. Peguei muita fila nos restaurantes

Os restaurantes, além de serem ruins, têm fila longa. E no momento de demanda de pico do dia, me parece ponto de gargalo. Isso chamou atenção: por que não aumentar o número de caixas? E pelo que percebi, alguns caixas eram funcionários do próprio parque. O atendente do caixa é do parque e o restante do serviço é “terceirizado”. Bem, pode ser problema de controle (afinal o caixa controla pagamentos e baliza – provavelmente – a cobrança do “uso” do espaço).  Curiosamente, a um “terceirizado” que perguntei “por que não aumenta um caixa?”, tive a resposta pouco engajada “já falei, mas eles não me escutam”. Claramente um problema de cultura e clima interno que compromete a qualidade do serviço.

Mais do que a fila, o engajamento dessa linha de frente como parte da solução se mostra em risco. Não se vê uma “camisa única”, um clima de competição ou cooperação sadia. Tudo isso compromete a experiência do cliente.

 

  1. Ninguém quis saber a minha opinião

Por fim, mas não menos importante, ninguém perguntou a minha opinião. Digo, tinha lá uma caixinha de opinião, mas nem caneta tinha (e viés de resposta está todo ali né?). A base de dados deles poderia ser completa, pegar meu celular e email. Minha digital ele já pegou (além de liberar a catraca não sei o que mais eles vão fazer com ela), mas achar um jeito de ver meu NPS[i] nem sinal. Falha grave. Quem não mensura, não aprende. O ciclo de feedback é importante.

Eles têm uma rede de agências que vendem os pacotes que poderiam ser capacitadas e trabalharem nesse contato mais próximo e ativo. Poderiam desenvolver uma plataforma focada nessa missão e com incentivos de premiar não a venda de pacotes, mas a venda do retorno: afinal, levar uma vez é desbravar, levar a segunda é o caminho de ter sua legião de promotores e a sustentabilidade de negócios.

E se quisessem saber minha opinião, ainda diria: falta um hotel “dentro” do parque! E por que o app não é recomendado pelos guias como parte MUST do passeio? Tipo, baixe o app e tenha uma experiência de gamification, de cumprir e conhecer todo o parque, ganhar pontos, trocar por brindes e descontos, e usar o potencial que um app poderia dar (além de engajar ainda mais as pessoas com o parque!).

 

As soluções dessas questões podem ser mais fáceis ou exigirem acordos, investimentos e outras complexidades. Certamente na ótica do acionista tem um grande investimento já feito lá, mas não acredito que a melhor equação ainda seja escolher o caminho de exigir retornos. Acredito que o sonho seja grande e ainda está na ascendência. Acredito no potencial do Brasil. O negócio de entretenimento tem potencial e o parque é uma plataforma que conecta pessoas com formas de se entreter. Essa visão é base para explorar o potencial que existe em um ativo físico único.

Caso já tenha ido ou conheça algum estudo mais elaborado sobre o Parque, compartilhe. É uma história de empreendimento nacional que merece maior destaque.

[i] Dica de leitura do livro que apresenta essa medida: A pergunta definitiva 2.0. Quem atua com isso no Brasil – clique aqui.

Avaliação