O que o Uber nos ensina sobre capitalismo?

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O que o Uber nos ensina sobre capitalismo

Sou grande usuário de Uber. Motivo? Preço. Como faço corridas longas aproveito para sempre que possível escutar a visão dos motoristas. Quase não escuto um discurso racional de um empreendedor que faz conta. Quando vejo a conta, é bem imediatista. Mas escuto muito uma reclamação por parte deles: valor que recebem.

A Uber é revolucionária, no sentido de mudar os pesos e conseguir ter sua força de atração de clientes consumidores e de motoristas fornecedores entendendo o jogo atual e atuando na lacuna de oferta e demanda.

Explico, por um lado ela consegue usar uma grande capacidade ociosa de mão de obra (motoristas) e ativo físico (carros particulares) e com isso criar uma grande oferta de transporte a baixo preço. Por sua vez, ela com os baixos preços ofertados (o inicio sempre é mais agressivo com políticas de descontos, etc) consegue captar grande parte da demanda por transporte e nesse encontro (o tal match) cria grande valor.

Por parte dos motoristas, vemos que existem dois tipos:

i) os amadores, aqueles que aceitam e assumem essa nova profissão como temporária, ou seja, por estarem desempregados ou por quererem um complemento de renda, fazem um “bico”; e

ii) os profissionais, aqueles que já atuavam ou queriam atuar como motoristas de carro e viram na Uber um novo canal de conseguir clientes e “rodar mais”.

O começo da Uber envolve ter muitos motoristas para que todo novo passageiro tenha muita oferta. Mas na medida que você tem muitos motoristas e passageiros, o desafio é manter a taxa alta dos dois lados: seja com novos motoristas credenciados, seja com novos passageiros.

O ganho da Uber é um percentual da operação. Existe um limite de cobrar mais do passageiro, pois perde um diferencial (afinal o mercado tem concorrentes), então o caminho de ganhar mais é repassar menos para o motorista. Qual o limite para isso? A existência de oferta de motoristas. Em tempos de crise, a roda gira.

Voltando à minha observação de campo: muitos motoristas não fazem conta da depreciação do veículo e do custo de oportunidade (o tempo deles). Reclamar não resolve. É necessário entender as forças que estão em jogo.

Primeiro ponto: entender a visão do cliente (o consumidor). Ele tem a opção do taxi, e esses cada vez mais estão ficando mais competitivos através de seus aplicativos específicos. Existem ainda opções de outros aplicativos concorrentes do Uber (que terão que investir muito mais para entrar e criar a massa de clientes inicial para se sustentarem). Logo, não adianta querer que as corridas sejam mais caras, pois isso perde mercado.

Segundo ponto: existe todo um debate de regulação do Uber. Quanto mais se regular e se taxar, maior o risco de reduzir ou acabar com esse mercado. Não vou entrar no detalhe, mas cabe entender qual o valor que a regulação agrega. No caso dos taxistas, vale levar em conta dois fatores: de um lado os carros são mais baratos (um taxista consegue comprar um carro zero muito mais barato que um cidadão comum), mas de outro existe um preço pago pela placa e por taxas de regulação que fazem com que o serviço tenha que ser mais caro.

Terceiro e último ponto: o repasse ao motorista vai ficar no limite do custo de oportunidade do capital humano (ou seja, quanto custa o tempo de trabalho do motorista). Em tempos atuais como o nosso no Brasil, tal valor é baixo. Enquanto essa oferta não reduzir, esse valor não aumenta. Se o mercado for eficiente, os concorrentes da Uber virão e pressionarão também a margem da Uber. Acreditem, o capitalismo em sua essência é competitivo, e isso remunera de forma “justa”[i] os fatores envolvidos.

A leitura do livro “De Zero a Um” é brilhante para entender esse ponto. Capitalistas evitam a concorrência. Criar monopólios é o que gera fortunas, um esforço legitimo de empreendedores. Esses movimentos são propulsores do desenvolvimento e, se pautados em princípios de integridade e ética, irão melhorar nossos mercados.

A Uber vale bilhões pois foi uma sacada fantástica e ocupou um espaço ocioso, melhorando a vida das pessoas.  Está em um monopólio[ii] que vai sofrendo cada vez maiores pressões. Os verdadeiros desafios de sustentabilidade virão da capacidade de reter clientes e fornecedores.

Fica a torcida para que o capitalismo possa operar. Apenas a regulação mínima necessária. A fidelização essencial que valorize clientes fiéis. O trabalho adequado de engajamento e valorização dos profissionais dedicados. Tudo isso irá derivar ao preço justo.

 

[i] Para fazer você refletir sobre o valor justo: acha que poderia ganhar mais atuando em outra atividade? A escolha é sua. Escolha ser um motorista por que gosta de dirigir e atender passageiros. Você fez as contas de depreciação e consumo do veículo e a conta não fecha? Sinal que está com o carro errado. Está rodando com combustível errado, etc. Fazer conta é essencial. Não basta olhar o faturamento e achar que o dinheiro deu para o mês. Quando tiver que fazer revisão do veículo, vai precisar de ter reserva. Planejamento financeiro básico.

[ii] Qual o tamanho do mercado de carros particulares usados para transporte público que ela detém? Certamente maior que 50%. Logo, se tenho um carro e quero entrar para essa prestação de serviço, sou ainda – em muito – “refém” desse monopólio que investe para ter volume de demanda de clientes e prover tecnologia para o match.

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