O papel do gestor para um mundo menos machista

Leia a frase abaixo e diga a primeira coisa que pensou:

“Pai e filho sofrem um acidente terrível de carro. Alguém chama a ambulância, mas o pai não resiste e morre no local. O filho é socorrido e levado ao hospital às pressas. Ao chegar no hospital, a pessoa mais competente do centro cirúrgico vê o menino e diz: “Não posso operar esse menino! Ele é meu filho!”.

Adultério? Confusão de paternidade? Algum roteiro maluco em que envolve vida após a morte ou um milagre em que o pai sobrevive e ocorreu um grande engano?

Ou você pensou: a pessoa no centro cirúrgico que viu o menino é a mãe?

Espero que tenha pensado na mãe (a imagem e o título do post pode ter ajudado a fazer a associação com a figura feminina). Confesso, quando li essa frase a primeira vez, infelizmente eu não.

Digo pensei, mas o correto seria dizer associei, pois se trata da primeira coisa que veio na minha cabeça como é a proposta do exercício. Ao parar e raciocinar, a resposta mãe faz todo sentido.

A proposta do exercício que li no artigo de Ana Malvestio da revista HBR é avaliar o ambiente que estamos e a carga associativa ao termo “pessoa mais competente do centro cirúrgico”. O que está por trás da ideia é parte dos estudos do Nobel Daniel Kahneman, apresentados no livro: Rápido e Devagar – duas formas de pensar.

Associar é algo que fazemos como instinto, algo natural. Não cabe brigar contra. Cabe entender para não tomar decisão e evitar riscos derivados de associações erradas. Devemos trabalhar o ambiente e a qualidade dos insumos que farão parte das associações futuras.

Nesse sentido, voltando à questão do feminismo, temos um ambiente machista de séculos ao qual nos inserimos e nos associamos. É algo que está mudando, e precisa mudar ainda mais. Vai levar tempo, pois é um processo cultural. Movimentos que repercutem incluindo celebridades sociais, reforçam e podem acelerar o contexto de mudança.

Precisamos ter muito reforço pró-feminista para altear o ambiente e chegar no novo ponto de testes como esses levarem associações “naturalmente” diretas à figura feminina.

O teste não é nada demais, portanto, não se sinta culpado(a), não se trata de uma fatalidade. Não me considero machista, e já confessei que não associei ao termo mãe. Fiz o teste com outras pessoas e tive uma proporção muito similar ao meu caso (incluindo mulheres): afinal somos frutos inseridos no mesmo caldo social.

Felizmente vi reações naturais com a resposta “mãe” (desconsiderando aqueles que já tinham visto algo do tipo). Sinal de ambientes em que a igualdade de direitos já está mais presente com uma força feminina (ou até excessiva/desbalanceada: locais onde a mulher é mãe solteira por exemplo).

Faça você o teste com pessoas próximas. Em caso de dúvida, faça o mesmo teste, mas substitua na frase o termo pai pelo termo mãe: ou seja, uma situação em que mãe morre no acidente com filho e a pessoa que o vê no centro cirúrgico é o pai. Curiosamente, nesses casos, o pai é mais associado ao primeiro pensamento[i].

Enquanto gestores, temos de entender a realidade desigual e atuar visando um novo balanço. Tenho orgulho de ter um time com mais mulheres que homens em um setor tipicamente masculino como o Agronegócio. Apenas um passo em uma necessária jornada diária. Saber conviver e orientar decisões sem deixar o gênero afetar. Ser consciente de que somos fruto do meio, e definir claramente as linhas de não tolerância: assédios e abusos certamente não se justificam. Contudo o caminho de lidar, tendo em vista a cultura estabelecida, terá limites tênues, sendo um desafio diário ao gestor.

Participei do prêmio Bravo Bradesco de Cultura na semana passada, e grande parte das falas dos artistas premiados era em prol do feminismo. Nesses ambientes não é um sentimento fácil ser homem. Contudo, reconheço que é um peso que tenho de arcar (e certamente muito menor que o peso de ser mulher em ambientes machistas). Para criar o novo balanço precisamos de movimentos de valorização da mulher: uma amiga me chamou atenção para o exemplo de uma empresa nesse sentido que compartilho (veja aqui).

Posturas como essa irão fomentar a criação de uma cultura melhor. Podemos e devemos criar ambientes que impulsionem esse novo balanço seja para gênero, escolha sexual, raça, e diferenças culturais. Nada disso deveria importar nos ambientes de trabalho,  mas para chegarmos lá, entender as desigualdades e preconceitos existentes é necessário.  

O contraditório é necessário. A arte é absolutamente necessária para iluminar e nos fazer refletir. A educação é premissa. A revolta é compreensível. A tolerância será como andar na navalha, sujeito a excessos e grandes riscos. A prática e vigilância continua das pequenas atitudes e pensamentos é o caminho dessa lenta construção de uma sociedade mais justa.

 

[i] Não vi nem fiz nada estatístico. Não sei se no estudo completo que usou tal frase foi feito algo similar.

Avaliação