Startup, valor e especulação. Estaria o Brasil em processo de bolha.com?

Startup, valor e especulação

Startups viraram sinônimo de fashion, de cool. Trabalhar em uma startup é sinal de orgulho para a nova geração. Que bom! Na ótica de se engajar em uma organização que tenha um propósito claro e fazer essa escolha por acreditar no seu papel para Mudar o Mundo é de fato motivo de orgulho.

Tenho certeza que muitos pais, mães e familiares vão ainda ter certa dúvida. Gostariam de algo mais estável. Talvez um concurso público ou um serviço em multinacional. Infelizmente, em tempos atuais como o do Brasil, tanto setor público quanto organizações gigantes estão em fase de certo descrédito. Falta propósito, sobram exemplos negativos de escândalos e operações da polícia federal. O importante não é onde se está, mas por que está lá!

O caminho da sustentabilidade exigirá balanceamento. Nem somente startups, nem tampouco somente setor público ou players estabelecidos do setor privado. Existe espaço e talento para todos. Cada segmento precisa de energia revitalizada e profissionais de caráter em busca dos respectivos objetivos. Isso fará o Brasil voltar para um ciclo virtuoso (e espero que façamos lideranças que utilizem bem as janelas de oportunidades derivadas desse momento).

Contudo, voltando ao momento presente, o cenário de investimento no país está melhorando, lentamente, mas melhorando. Grandes projetos envolvem grandes empresas e o setor público, o que ainda remete à risco alto de exposição e algum “pé atrás” para tais alocações. Deixar o dinheiro aplicado vem deixando e ser uma boa opção, e as startups vem ganhando espaço, vitrine, exposição positiva e – claro – têm tudo para serem foco de investimentos. Cabe, portanto, entender esse movimento para que não tenhamos uma bolha.com como foi visto nos EUA no inicio do século XXI.

Dois livros que já citei em outras reflexões são muito importantes para esse entendimento. Por um lado, Peter Thiel faz uma bela leitura do movimento do que ocorreu no processo de formação da bolha e como é possível entender o que tem ou não tem valor (ele mesmo viveu e sobreviveu a tal movimento)[i]. Por outro lado, Gerstner – estando a frente da IBM nesse processo – conta como evitou fazer alocações no ímpeto das promessas e euforias (e ser a IBM e acreditar nesse caminho para gerar valorização deveria ser bem tentador). O denominador comum nessas leituras e que é a melhor blindagem contra qualquer movimento desses é entender o que é de fato valor.

O valor está em gerar “monopólios”, como já defendi. Mas de modo magistral, está em entender que o movimento que iniciou a bolha.com – e é o mesmo que torna as startups atuais como atrativas – é o contexto do e-business. Entender o e como “easy” (fácil) é o que diferencia e detecta o real valor: como usar da tecnologia para tornar negócios mais fáceis, facilitar a vida das pessoas.

O entendimento de aplicação da tecnologia pura e simplesmente como valor é o que gerou a bolha. Não basta ser .com para ser bem-sucedido. Nem todo e-commerce é melhor que o comércio offline. Nem todo e-marketplace é melhor que o mercado offline, onde as pessoas e negócios já se encontram. A tecnologia sim pode agregar valor, mas isso não é uma verdade absoluta e, principalmente, não é a qualquer preço que isso se viabiliza.

De uma maneira simples, startups tendem a aplicar tecnologia e melhorar a vida das pessoas como promessas a problemas já existentes (ao invés de usar o serviço de telefone ou ir ao ponto de táxi para pedir um, se usa o aplicativo que conecta taxistas e passageiros) ou cria mercados novos (navegar usando um aplicativo que economiza seu tempo e te dá rotas alternativas: antes vivíamos sem isso, e hoje parece que a resposta certa para “Qual a menor distância entre dois pontos?” sempre foi Waze).

Nos dois casos, de modo simplificado temos três ativos sendo foco do investimento:

  • Capital humano
  • Capital tecnológico
  • Hábito (dos clientes)

Assim investidores pagam para ter pessoas atuando nessas startups (e os fundadores já investiram seu tempo nisso). Investe-se para desenvolver uma tecnologia proprietária, um site ou uma plataforma do qual a empresa é detentora (a tal tecnologia). E se gasta para impactar, promover, adquirir e reter clientes.

O erro usual na bolha.com foi investir com foco em promessas que muitas vezes nem tinham o devido capital humano envolvido e dedicado full time, e acreditando que apenas viabilizar a tecnologia traria o hábito. O erro foi fazer apostas pesadas em “antecipar valor” com base em projeções de hábito que em não se viabilizando tornavam o ativo das empresas em “pó”. A bolha ocorre quando isso deixa de ser um fato isolado e passa a ser algo sistêmico.

Capital a ser investido em startup tem alto risco, e é natural que seja assim. Quem investe nisso precisa saber. Distribui o investimento para mitigar risco. Quando não se leva isso em consideração ou quando o sistema cria expectativas demasiadas, tem-se uma sucessão de empresas que crescem mais do que deveriam antes da hora e, quando a bolha explode, não tem como manter seu financiamento, gerando assim uma quebra sistemática (uma abalando a outra) e fazendo os investidores se retraírem, com o sonho passando a ser pesadelo.

O Brasil está saindo de um ciclo econômico ruim, e acredito que as startups estão e ainda terão um boom de procura. São apostas que fazem sentido em um país de dimensão continental com graves carências de serviços e espaço para ganhos de eficiência. Existe muito espaço para tecnologia que venha à facilitar a vida das pessoas. Contudo, é necessário ter a clareza de que o excesso gera bolhas e isso deve ser muito bem avaliado pelos investidores e pelas investidas.

Saber crescer, entender o real valor e focar na conquista do ativo hábito (que irá garantir sua sustentabilidade). Aqueles que não entenderem isso pagarão preços altos ao acreditar que planilhas darão retornos exorbitantes. Na prática, a vida real envolve problemas e desafios duros na conquista do tal hábito (e não basta tecnologia para gerar a tal facilidade. É preciso convencer e criar uma nova cultura de uso).

Em meio a tal ciclo de crescimento, duas dicas preciosas:

Para quem investe – entenda o ambiente no qual irá investir (e virar sócio) e seja um agente pacificador:

“a paz interna é o que possibilita que a startup sobreviva (…) o conflito interno é como uma doença autoimune”[ii]

Para quem vai ser investido –  como foi mencionado por Henry Mintzberg em entrevista à Exame: cuidado com IPOs ou com dinheiro que busca apenas rentabilidade. Ele trará pressões que podem tirar o foco do real valor e matar o propósito.

[i] Outro empreendedor que sobrevive e relata bem essa época é Ben Horowitz.

[ii] Peter Thiel, p.132 “De zero a um”

Avaliação