Plataformas, cauda longa e a curva de adoção de inovações: o poder da abstração da teoria para a prática

Plataformas, cauda longa e a curva de adoção de inovações

Sentei na cadeira de Diretor da CBC, uma startup Agro, com uma missão desafiadora: criar o marketplace do Agronegócio. A empreitada de gestor em um ambiente novo perpassa: respeitar, aprender e construir. Premissas importantes que são realizadas em ciclos mais ou menos curto de acordo com o contexto organizacional.

Chegar e simplesmente apontar o que está errado, é destruir. Construir perpassa um processo mais difícil, que exige legitimidade para propor, coerência de ação e para tanto, exige conhecimento: entender o que foi feito, a história, a trajetória. Tudo com muita velocidade e buscando agregar, o que exige entender o business e o mercado que está inserido. Assim o ciclo necessariamente envolve aprender, e existem várias formas de aprendizagem: escuta ativa de funcionários, clientes, parceiros, benchmark de concorrentes e cases similares, know-how de especialistas, e claro, recorrer à teoria.

A presente reflexão aborda essa questão do aprendizado aplicado. Acredito que a dicotomia entre conhecimento e prática é algo muito enraizado e um tanto cultural/geracional. Existe uma geração de empreendedores que falam que “estudar” é importante, mas na prática não dão real valor à teoria aplicada. É um conceito arraigado, difícil, mas necessário de mudar. O cenário de incertezas e forte adaptação exige a boa combinação entre vivência e teoria, afinal não podemos desprezar o estoque de conhecimento existente. Por outro lado, existem jovens que tem “o rei na barriga”, e tem fórmulas e receitas que são ditas e viram promessas e acabam aumentando a dicotomia, e distanciamento entre teoria e prática.

Em se tratando de teoria e conhecimento, me deparei com três conceitos que já tinha ouvido falar, mas ganharam mais relevância no caso aplicado, e me exigiram entender com mais profundidade para buscar ter enredo de modo mais preciso:

  • Plataforma: somos um e-marketplace, um espaço que conecta quem compra e vende[1]. O desafio de ser matchmaker, envolve questões essenciais de ter massa crítica, apelo para que novo serviço atue em algum custo de transação relevante o suficiente para justificar uso e tração adequada (crescer com a combinação balanceada). No caso específico ainda temos o desafio de ser B2B, e aqui reside uma forma de venda que renderá reflexões específicas. Importante entender que temos duas dimensões: horizontal – atuar no Agro e vertical – atender determinadas comunidades, e são caminhos que exigem tratamentos e focos diferentes;
  • Cauda Longa: a internet possibilita redução brutal do custo de disponibilização de produtos, permitindo que aumente a diversidade de oferta, e nichos antes pouco explorados passam a ser acessíveis e lucrativos. Exemplo clássico é a questão das restrições de estoque e prateleira no mercado de distribuição de música por meio de CDs em lojas de departamento. Tem-se, e nesse sentido, custos que limitam a venda de CDs menos populares. Com a internet, a disponibilização de venda online permite que se divulgue todos os CDs e as vendas baixas não sejam fator de não oferta, ou de alto custo para aquisição[2].  Toda plataforma online usa os atributos da cauda longa como vantagem competitiva aos marketplaces offlines.

 

FIGURA 1 – A ideia de Cauda Longa. Ponto interessante reside na compreensão do valor total do mercado verde. Por menor que um determinado ponto na curva verde seja pequeno, atender todo um grupo de nichos com baixos volumes, representa um faturamento significativo. E a tendência é ter cada vez maior variedade de produto, e logo, a importância cada vez maior das caudas longas.

  • Curva de adoção da inovação: um conceito simples, mas que envolve estudos comportamentais de adesão, em que existem pessoas mais resistentes e pessoas mais aderentes às novidades, seja em produto ou serviço[3]. Cada grupo influencia o outro e tem seu papel de disseminar (ou não) uma inovação. E os desafios de chegar às maiorias, e vencer o “abismo” que separa os primeiros usuários de uma massa crítica (maioria) tendem a ser “mortais”. Gerar bons promotores nos primeiros usuários é parte fundamental do sucesso da inovação;

FIGURA 2 – A curva de adoção – 100% do público alvo é representado por essa distribuição. Os cortes mostram percentuais da população. Inovadores tendem a representar menos de 5% e adotantes iniciais, mais inovadores, menos de 15%.

Como bom economista, figuras me ajudam a dar uma forma para questões abstratas, que por sua vez auxiliam na forma de endereçar de modo simplificado o entendimento de mecanismos mais complexos. Simplificar facilitar entendimento e nortear a ação. Aqui cabe uma crítica aos que buscam sempre se respaldar no complexo para rejeitar hipóteses (sem mesmo testar).

No mercado agro temos não somente uma pluralidade grande de produtos, como também uma alta variedade de especificações para esses produtos. Por exemplo, vamos observar o caso do milho: a priori podemos imaginar que seja um único produto. Contudo, na ótica de quem compra, o tamanho do lote importa (se é um lote de 10 mil sacas ou de 100 mil toneladas), a origem/logística, tendo em vista que o custo logístico é parte substancial do produto, etc. Assim a pluralidade de produtos no Agro torna a cauda longa ainda mais longa, e na ótica de uma plataforma, torna o desafio ainda maior, pois as combinações de negócio (diversos tipos de lotes) refletem peculiaridades uma vez que quem comercializa um lote grande, por mais que possa, tem baixo interesse em lotes que sejam pequenos.

O desafio de habitar envolve entender se de fato existe um grande custo nessa transação do mercado Agro, que justifique o esforço do cliente de aderir a um novo serviço ou plataforma de negociação. Existem dois tipos de custos relevantes na hipótese atual dessa oportunidade: custo financeiro que envolve um intermediador clássico (um corretor de bens físicos), uma vez que esse custo representa um % da operação que tem margens de lucro já pequenas; e (ii) custo de oportunidade para formar mercado: tempo! Não querendo custo financeiro, recorre-se à muitos negócios diretos, já estabelecidos, e por mais que se queira ter visões multilaterais de mercado de modo continuo, isso implica em um custo de tempo grande, seja para prospectar novos, seja para ter referências de mercado com seus fornecedores. E para alguns o tal acesso a mercado é uma variável maior que o custo de oportunidade (tempo), mas uma garantia de opção (existem muitos rincões Brasil afora e muita ineficiência derivada da ausência de conexão de mercado).

Uma reflexão adicional sobre restrição: uma boa plataforma para atender a gama de produtos possíveis para a cauda longa necessita de bons filtros. Afinal, achar o que o cliente quer com redução de tempo, implica em melhorar os mecanismos de busca e assertividade. Aqui um entendimento essencial: a internet por mais que torne a agenda de quem comercializa mais produtiva, se não prover bons filtros irá espantar os clientes por não ver os produtos desejados, e o tempo que se poderia economizar, se perde. E o tempo das pessoas continua sendo uma grande limitação a ser trabalhada! O segredo portanto de explorar a cauda longa não é simplesmente disponibilizar, mas tornar acessível de fato (otimizar as buscas).

Em tendo valor tal hipótese, e equacionado a questão de filtros, o caminho da tração envolve entender os perfis e cada qual respeitando sua curva de adoção. Pensando novamente no Agro, vamos apenas pensar em 3 perfis com o produto milho: Pequenos e Médios comercializadores (perfil A), Grandes Comercializadores (perfil B) e Produtores (perfil C). Por quem começar? Em tese, exceto o perfil C que só venderia esse produto, os perfis A e B, compram e vendem, justificando o fato da comercialização fazer giro de até 4 vezes a produção[4].

FIGURA 3 – Tempo de maturação da plataforma de acordo com o perfil do cliente (porte e atuação no mercado) e de adoção em relação à inovação (aceitação). Note que a menção do relevante é para aquele usuário não somente cadastrado, mas com uso recorrente da plataforma, que se disporia a pagar por tal uso, por exemplo.
Nota: o eixo vertical não representa o volume acumulado de clientes. Para simplificar e facilitar relação com curva de adoção da figura 2 eu não utilizei a curva em S que seria a visualização correta para a visão acumulado.

As perguntas que se inserem do apanhado teórico perpassam a forma de maturar, focar o esforço de adensamento: i) se por um lado ter “hits”, produtos e lotes mais populares é interessante, esses tendem a serem mais comercializados pelas maiorias (seja inicial ou tardia), o que implica que não tendem a serem os primeiros usuários da inovação, bem como perceberem menos a vantagem da cauda longa; ii) As empresas maiores – até pelo seu poder de barganha – tendem a não aderir de imediato, querendo uma densidade maior para poder de fato aderir; iii) os produtores são os muitos de milhares espalhados pelo Brasil, e representam um perfil mais conservador em seu conjunto. E a internet apresenta sua última fronteira de acesso de qualidade no meio não urbano.

 

Assim, buscar a combinação de ser relevante para os perfis certos, no tempo certo, ajustado a produtos que tenham maior aderência à nichos, e, portanto, maior dificuldade (e valor) de comercialização por meio de uma plataforma, consiste no caminho a ser trilhado. Aqui entramos na parte que de fato o empreendedor tem absoluta razão: “fácil falar, o desafio real começa agora: implementar”! Afinal, na nova economia o valor não está nas ideias, mas na capacidade de execução.

Balancear a teoria e a vivência, o espírito de fazer acontecer com a experiência de quem já empreendeu é uma combinação de grande valor para as organizações! Ideias precisam ter embasamento. Não podemos desprezar o conhecimento acumulado: é ineficiente reinventar a roda. Inspiração e transpiração. Ler e fazer. Teoria e prática.

[1] Leitura importante: Matchmakers:The New Economics of Multisided Platforms.

[2] Leitura obrigatória é o best-seller A Cauda Longa, de Chris Anderson, uma fonte primária muito didática e que aponta para novas tendências. Na parte da música por exemplo, a questão de vender faixas isoladas – e não mais CDs – reforça ainda mais o argumento e muda a configuração desse setor.

[3] Vale ver o didático: https://www.youtube.com/watch?v=l6KwMVsZPy8. Cabe ainda ressaltar alguns estudos que defendem que essa curva pode ser mais ou menos concentrada, dependendo do tipo de inovação (ver estudo Ruptura Big-Bang publicado em março de 2013 pela HBR Brasil).

[4] Esse número eu não comprovei com uma fonte mais científica, mas escutei de algumas fontes como sendo algo aceito.

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