Custos concentrados, benefícios difusos: quais incentivos estão envolvidos nas negociações

Custos concentrados, benefícios difusos

Algo recorrente em impasses e dilemas nos processos de negociação diz respeito à noção de custos concentrados, benefícios difusos. Pensar nisso nos ajuda a entender o motivo de muitos entraves para algumas parcerias serem firmadas, políticas aprovadas ou propostas aceitas[1].

A noção de custos concentrados diz respeito a despesas, gastos ou obrigações que são assumidos por uma parte (ou por poucas partes), de modo que seu volume é tido como significativo (ou seja, é grande relativamente ao seu patrimônio ou condição atual). A noção de benefícios difusos, por sua vez, remete à ideia de ganhos, receitas ou direitos que são recebidos por uma parte (ou por muitas partes, o que é mais provável), que não representam muito valor (na ótica individual de cada parte).

Eis então, que a situação em que ocorrem custos concentrados e benefícios difusos representa um desequilíbrio entre as partes, e uma tem muito a perder enquanto a outra parte acredita que tem pouco a ganhar. E o resultado disso é que a negociação não avança. Vejamos duas situações em que isso ocorre:

  • O governo tem a ideia de acabar com uma determinada instituição ou autarquia[2], contudo na avaliação dele, caso haja uma resistência muito grande pelos funcionários e eventualmente algum político que tenha uma história identificada com essa organização, o benefício tem de ser muito grande (ou seja, representar uma grande economia, por exemplo), para valer enfrentar os custos que serão pequenos (se observarmos a opinião média geral), mas concentrados para esse grupo organizado que vê que pode perder sua “base”;
  • Um grupo de vários empresários, donos de terrenos, luta por uma estrada que beneficie a ligação de seus terrenos, contudo, um único vizinho, ao ver que tal estrada irá gerar maior barulho próximo a sua casa, e não tendo os mesmos fins empresariais dos demais, discorda de tal projeto. Tendo o vizinho morador muito a perder, fica o projeto comprometido, caso nenhum dos empreendedores não vislumbrem um grande benefício que justifica o enfrentamento;

São situações que descrevem tal dilema, sendo que em cada uma delas existe nuances acerca das possibilidades de resolução.

O primeiro caso, tipicamente de uma decisão de política/ação pública, retrata a maior parte, na minha mundana visão onde se aplicam tais dilemas, dado que para o governante enfrentar custos concentrados só se justificam diante de benefícios concentrados, ou a tendência é o não enfrentamento. Portanto, a solução para gerar uma ação que seria desejável do ponto de vista social (gerar economia dos gastos públicos) reside na capacidade ou oportunidade de se ter um benefício visto como concentrado (um determinado apelo público que pode gerar uma opinião pública favorável atuante, ou um fato alheio que justifique o enfrentamento político da minoria que está perdendo com essa decisão).

Já o segundo caso, representa uma realidade que diz respeito à vida coletiva, onde decisões não agradam a todos, e em alguns casos, o ganho individual é muito menor relativamente a determinadas perdas individuais, mesmo a soma ou o coletivo, sendo positivo. Aqui, um fator que funciona é o de criar compensações, seja por mecanismos públicos ou privados, tendo o desafio quanto a como precificar. Esse tipo de situação, carrega para além dos oportunistas (que criam uma dificuldade para vender uma facilidade ou aqueles que vendo a possibilidade da compensação aumentam/valorizam mais a perda), um risco derivado da postura de carona, em que atores que se beneficiem podem optar por aguardar que outros beneficiários se organizem e arquem com os custos/compensações, ficando eles apenas no aguardo da solução que os beneficie, que é provida/custeada por terceiros.

Ao começar a ter essa ideia em mente, vemos a motivação de várias dificuldades e impasses cotidianos. Discussão dos royalties do petróleo…os governos produtores tem mais a perder do que os não produtores tem a ganhar, o benefício é difuso demais para comprar a briga, a não ser que envolva uma questão de mídia e duelo partidário com os vetos presidenciais… Debate sobre mercado secundário de crédito de ICMS: é ótimo, desde que não seja na minha gestão, evitando assim, custos concentrados… Brigar por melhorias para determinada classe ou grupo social…prefiro que outro faça, e eu vou de carona.

Tudo uma questão de incentivos: nem sempre monetários, mas sempre envolvendo algo a ganhar ou perder. Ao entrar em debates e negociações, lembre disso, você está diante de algum custo concentrado? O que te parece ideal é difuso demais para ser defendido com o afinco necessário? Identificar é o primeiro passo para superar o desafio.

[1] Meu primeiro contato com o tema se deu na faculdade, estudando sobre os dilemas do federalismo e a figura do ente metropolitano com a leitura do livro “Redes Federativas no Brasil: cooperação intermunicipal no Grande ABC” de Luiz  Fernando Abrucio e Marcia Miranda Soares.

[2] Por exemplo, a ADEMG – Administradora de Estádios de Minas Gerais, dado que os principais estádios foram concessionados e se avalia que há pouco escopo para se manter uma “empresa” para esse objeto. Discutirei esse caso em mais detalhes em futuros posts.

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